quarta-feira, 10 de março de 2010

Micro-contos de Mistério e Investigação - 2



O IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO

"Sabe o que acontece quando o tocador de CD do meu computador fica muito tempo aberto? Ele fecha sozinho. Não é incrível isso? Como ele sabe que estava aberto?" Esta é só uma das milhares de observações implausíveis de meu amigo Parsival sobre a vida, a rotina, o tempo e os aparelhos eletrônicos que nos cercam. Para ele, coisas que aparentemente não possuem ligação alguma estão intimamente ligadas e tudo acontece feito mágica. Talvez para reforçar o truque e a teoria, Parsival sempre aparece em minha casa sem avisar. Já quase me acostumei com isso, apesar de sempre ficar com raiva. Mas, às vezes, uma conversa no meio da tarde com um amigo de infância pode render algumas linhas.

"A vida não começou na Terra. Começou em Marte."; "Já reparou que você pode entrar em qualquer loja de discos, se você encontrar o primeiro do Bad Brains, você vai encontrar o primeiro do Black Flag e logo em seguida o primeiro do Bob Marley?"; "Sabe que circula por aí um desenho dos Simpsons produzido no Paraguai?"; Estar com Parsival é ter a consciência de passar as próximas horas no "Aham". Porém, na última vez que ele apareceu por aqui, eu é que precisava falar sobre alguns fatos estranhos. Naquele dia, meu telefone tocou desde às oito. O que já parece esquisito, meu telefone não toca de manhã, nunca. Ou, se toca eu não ouço. Mas tocou também às nove, às dez...parecia uma emergência e às onze atendi.

Era uma oferta de um banco que sequer eu tenho conta. Dispensei. "Não me interessa e por favor não vá me ligar de novo ao meio dia." Duas horas depois, outro telefonema, outra oferta, banco diferente. Disse que ia viajar por seis meses para o Rajastão. A atendente perguntou se eu poderia fornecer algum número para ser localizado por lá. "Você pode me achar do mesmo modo que me achou aqui no Rio: Lista telefônica!". Contava essa história para Parsival e pela primeira vez em muitos anos, ele parecia me ouvir.

O telefone tocou novamente. Parsival fez uma cara de espanto. "Tá vendo? Você acabou de me contar essa história de telefonemas chatos. A cada dois telefonemas chatos a gente recebe um terceiro, surpresa, que é legal. Esta pode ser a promoção ou a pessoa que vai mudar a sua vida pra sempre. Atende." Atendi. "O senhor foi sorteado para conhecer a rede de hotéis Pestana. Todos os nossos quartos possuem vista para o mar e o senhor também concorre a um outro sorteio para conhecer nossos outros estabelecimentos no Nordeste. Basta o senhor me fornecer seus dados." Desliguei, é claro.

Depois de explicar mais um telefonema obscuro para Persival, ele não se conteve. "Você devia ter ido! Não tem nada demais. Não é caô. É uma oportunidade que só acontece uma vez na vida. Já recebi esse mesmo telefonema e fui. Conheci o hotel, almocei, tomei cerveja...tudo de graça. Só não viajei porque um mané, um gerentezinho de merda afim de mostrar serviço implicou comigo. Tudo bem que a promoção tava no nome da minha mãe...Teria alguma coisa demais se eu fosse no lugar dela?" Eu disse que o pior disso tudo é a cara de pau. "Ah, mas lembra quando a gente era moleque e dava calote no ônibus pra ir até o Shopping? É a mesma coisa. Se não fosse legal eles não estariam telefonando. É o imperfeito do subjuntivo." "Aham.", pensei.

3 comentários:

luke disse...

o mais fantástico é onde vc arruma esses amigos com nomes tão fantásticos. tem cavaleiro do rei artur, tem herói grego, tem poeta russo...

Rodrigo de Roure disse...

parsival. ele come carne de tatu e não passa mal. :D

Dimitri BR disse...

tem toda razão